quinta-feira, 26 de março de 2009

Gis


Era como um sonho... Ou como a realidade deveria ser. Ali, de alguma forma, sentindo o momento e nada que não fosse aquilo importava. Eu e Dave Brubeck. Eu ali, ele também, a fazer a trilha sonora de minha noite, tocava Strange Meadow Lark. Aquelas notas me fazendo viajar, alucinar. Seu piano e aquelas notas... Ele tocava para mim, e agora tocava para ela também. Ela, seu rosto, seu cheiro... Aquelas notas eram para nós dois. Traçava sua silhueta com meus dedos. Paul Desmond soltava suas frases em seu sax e obrigava-nos a dançar... Juntos, eu, ela e aquelas notas. Senti o seu perfume, a maciez de sua pele, a textura de seu cabelo e alucinava... Que mulher!

A música acabara, as notas se foram e ela também. Gerry Mulligan tocou pra mim Night Lights. Mas agora estou só, ali, aqui, em todo o lugar, naquele vazio. Aquele piano, E cadê as luzes da noite? A única luz que vejo é a do meu cigarro aceso. Tóxico, impregnando com sua fumaça as paredes, a roupa, a mim. Onde estão as luzes da noite? Sou eu, meu cigarro e as outras notas, vindas devagar, penetrando lentamente em minha mente, como as gotas da torneira demoram a cair. Essa música à tirou de mim, não havia mais dança, nem cheiro ou toque... Havia eu, meu cigarro e essas outras notas, que a tiraram de mim.

Havia a escuridão, era como um sonho... Ou como a realidade deveria ser. O piano era den-so como a escuridão, as outras notas pesadas, como meus olhos semicerrados... Que já não...

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